Cá estou eu!

Nascer implica muitas coisas, mas a principal delas é estar no mundo, sem pretensões. É viver o que há para viver.

Nasci neste jardim lindo, chamado mundo! Mas, tal como uma lagarta, cujo ovo é quase microscópico, ainda não sabia muito bem disso. Porque só enxergava a cada movimento um centímetro a mais. Quase a mesma medida do meu corpo.

Só me dei conta da infinidade do jardim que habitava aos 11 anos de idade.

Era um domingo, ao final de maio de 1987.

Ainda consigo lembrar do clima, da luz do sol e até o cheiro do mato, misturado à areia, que vinha do quintal. Festa de aniversário de uma prima. Casa cheia, muitas crianças, muitos amigos novos! Quanta coisa nova!

Eu brincava lá fora, quando minha mãe me chamou:

– Elaine, vem cá!,

Eu entrei e ela me mostrou alguém que me apresentaria ao mundo.  Ao meu mundo, ao mundo do outro e à consciência de que havia um jardim maior do que aquele que eu conhecia.

Um menino, da mesma idade que eu, sentado em uma cadeira de rodas, paralisado em consequência às complicações no parto. Ao lado dele, a sua mãe, que me olhava com uma curiosidade e quase um ar de espanto… nem sei.

Ele não podia me olhar, mas eu o olhava. Era o que eu consegui fazer. Me conectei com ele automaticamente, enquanto minha mãe continuava a falar sobre os detalhes e quanto tempo eu havia ficado dentro de sua barriga, após romper a bolsa. Tinha sido três vezes mais tempo do que aquele menino.

E eu, que continuava em pé diante dele, me questionava e em diálogo silencioso com ele, perguntava a mim mesma e à ele de certo modo: como você pode estar assim? talvez eu devesse estar aí nessa cadeira. Afinal (eu pensava) fiquei muito mais tempo nas mesmas condições. Como pode? Por que?

A partir daquele momento, parece que um horizonte se abriu. Aquela experiência me mudou para sempre!

Eu lembro de voltar para casa e no carro olhar pela janela de outro modo. Via coisas no caminho, que nunca tinha percebido. Tudo estava diferente!

Aquele amigo, tinha trazido uma mensagem especial, um presente. Mas só percebi isso, em sua inteireza, há poucos anos.

Selei um pacto especial e silencioso com ele: faria algo especial com a minha vida. Me senti na obrigação de fazer algo importante, grandioso por ele, por nós dois.

O detalhe, que passou batido por alguns anos foi essa afirmação silenciosa: “me senti na obrigação”.

O que me tornou forte e me trouxe pistas sobre meus dons e habilidades, que pautavam minhas escolhas, também me tiraria a força. Eu idealizei esse algo “importante e grandioso” e travei. Paralisei, tal qual meu amigo querido.

Em verdade, percebo hoje, que em algum momento não me senti merecedora deste jardim tão amplo e belo. Passei a ver, ao invés da copa das árvores e do horizonte, apenas o espinho e o terreno difícil.

Nós dois fomos bem sucedidos! Havíamos nascido!!! Ambos com suas missões e seus propósitos.

Ele mudou a minha vida para sempre com sua presença, apenas com a sua presença!! Há algo mais forte e surpreendente que isso? o outro me apresentando seu mundo.

Então, passei a olhar além, enxergar o Todo, perceber que há mais do que as ideias pré-concebidas a respeito das histórias de cada um, do seu destino dentro da sua família e da missão de cada um.

E assim eu sigo olhando pessoas como portais para enxergar além do que conheço, além do que se vê com os olhos.

E convido você à reflexão:

Quais pactos silenciosos fazemos?

Quais crenças movem nossas escolhas de vida? elas estão nos levando para mais vida ou menos vida?

Com amor,

Elaine

A imagem mostra uma lagarta em detalhe sobre uma folha.